quinta-feira, 26 de junho de 2008

O Prozac acabou com a música brega


Escrevi este texto para a edição do dia 14 de dezembro de 2006 do Jornal da Paraíba. Mexendo no baú, encontrei-o. Divirtam-se e comentem!

De uma coisa eu tenho certeza: o Prozac acabou com a música brega. Não a música do Roberto Carlos ou do Chitãozinho e Xororó, que são bregas. Mas o gênero “brega”, aquela música dor-de-cotovelo que sai do fundo do poço das angustias do ser traído, enganado, iludido. Um mundo onde Reginaldo Rossi é apenas entretenimento, uma caricatura superficial dos dramas que perseguem o ser humano desde que Eva trocou Adão por uma maçã (foi isso, não foi?!) no primeiro caso de adultério da história da humanidade.

Dia desses, dei um tempo no acid jazz, downbeat e alt-country para mergulhar nesse universo triste e melancólico, de arranjos pobres, chinfrim, mal tocadas notas de bolero e samba-canção. Saí perambulando pelas ruas do Centro de João Pessoa em busca de LPs de Agnaldo Timóteo, Augusto César, Carlos Alexandre, Diana, Evaldo Braga e Waldick Soriano, entre outros. Tirei a poeira dos velhos LPs e fui ouví-los com atenção. Nossa, como esses caras sofriam de verdade! Como esses caras amavam, apaixonavam-se, e suas dores viravam verdadeiros lamentos bergmanianos, destilados em versos como: “Amor proibido / A minha maneira é autenticidade / Vou ficar contra o mundo / Já ficou entendido / Que amor como o meu / É amor de verdade”. Isso na excelência vocal de Timóteo, pontuado por backing vocals e violinos, que se não são um primor erudito, emulam uma certa elegância kitsch. Uma espontaneidade perdida ao longo das últimas décadas.

O Prozac, a indústria e os relacionamento “fastfood” acabaram com a boa música brega. Acabaram com o choro e com a vela. Quem são os “cornos” dos últimos 10, 20 anos? Não saberia dizer nenhum que caísse no gosto popular com tamanha autenticidade como dos nossos heróis de antigamente. A Música Popular Brasileira não criou mais nenhum ícone brega, nenhum novo Carlos André, Paulo Sérgio, Lindomar Castilho. A música romântica se tornou baba, profissional demais. Perdeu a inspiração. Não há mais clássicos como “Monotonia” (Amado Batista), como a penosa “Vontade de voltar” (Balthazar) e a debochada “Já troquei você por outra” (Carlos Alexandre), sem falar nos hinos “A cruz que carrego” (Evaldo Braga) e “Você não me ensinou a te esquecer” (na voz chorosa de Fernando Mendes, claro). E que fim levaram cantores como Altemar Dutra, o próprio Evaldo Braga e Nelson Ned, com suas vozes encorpadas e seus trejeitos de barítono?

Esse negocio do Prozac é fogo. Você acha mesmo que Genival Santos teria feito “Eu não sou brinquedo” se fosse adepto do anti-depressivo? Ou que Amado Batista teria composto “Amor perfeito” numa euforia química? Quem toma Prozac, vira Bruno & Marrone. A música brasileira sente falta desses temas viscerais, essas coisas que vêm das entranhas, da natureza do homem que se vê desiludido com a amada, a quem tanto dedicou carinho, atenção e respeito.

E aí como profetizou Bartô Galeno, da época de ouro da música brega, “Só lembranças”... Enquanto isso, sento num banquinho no Mercado Central, peço uma meiota e anuncio o playlist com meus dez bregas favoritos: “Apenas um trago” (José Ribeiro), “Quem é” (Agnaldo Timóteo), “Eu não sou lixo” (Evaldo Braga), “Monotonia” (Amado Batista), “Tudo passará” (Nelson Ned), “Castiga-me” (Roberto Muller), “Agora quem parte sou eu” (Paulo Sérgio), “Quem ri por último, ri melhor” (Ronaldo Adriano), “Você é doida demais” (Lindomar Castilho) e, para fechar, “Esta noite eu queria que o mundo acabasse”, na voz de Waldick Soriano. Tin-tin!

8 comentários:

Cla disse...

Muito bom esse texto!!Concordo,são poucos os que se rasgam num 'eu não sou cachorro não' hoje em dia né?O que é musica romantica brasileira hoje?O 'pela última vez' de Nx Zero?Se for,melhor ficar com os antigos!
=)

Anônimo disse...

Li o texto num fôlego só. Muito divertido. Me fez realmente refletir sobre o efeito do prozac e agora o viagra nos atuais compositores. É meu irmão! acabaram-se as verdadeiras dores-de-cotovelos ou de corno mesmo. Parece que somente neste estado de embriaguez de amor mal-correspondido é que o "caba" consegue compor. Expor as suas vísceras e literalmente repassar todas as suas agruras. Quem não chorou ouvindo uma música bem "melosa" por conta do amado(a)? Ah! não vem não! Então,não sentiu o verdadeiro amor, aquele dolorido igualzinho das letras bregas e chinfrins desses compositores. Então que o dizer da música: "quero ficar no teu corpo feito tatuagem". Sim! essa mesma do Chiquito Buarque. A letra é piegas? é brega?... é o amooor/ que mexe com minha cabeça e me deixa assim...aff!!
Valeu André
Abraços
H.Borba

Unknown disse...

sábado passado estava ouvindo francisco alves, augusto calheiros, roberto silva, carlos galhardo e outros da era do rádio e pensando a mesma coisa: como esses caras tinham sentimento!!! seja prozac ou que for, ai dos que vivem a assepsia sentimental destes nossos dias...

Anônimo disse...

Gostei do termo "relacionamentos fast food", é bem comtemporâneo...
agora, para não perder a mania e a chatice que aprendi com vocÊ, toda paroxítona terminada em a, seguida ou não de s são acentuadas.
"Angústia".
Altemar Dutra fez parte da minha infância. Eu achava belíssimo quando ele fazia: "Eu nunca mais vou te esquecer, meu amor".

Linaldo Guedes disse...

que belo texto, andré. de fato, quem toma prozac vira bruno e marrone. gosto desse brega que vc fala no texto. o mais, não é brega. é oportunismo.

Anônimo disse...

"Quem toma Prozac vira Bruno & Marrone" é ótimo!
Abraços.

Unknown disse...

Andrézinho... Ao ler o texto eu só posso dizer uma única coisa... Pena ainda não ser seu amigo em 2006 para poder dividir a meiota contigo!

Adorei o texto, e digo "sem medo de ser feliz" (apenas para incluir um chavão brega no texto) que um dos meus primeiros momentos boêmios de minha vida foi aos 16 anos, em um boteco de Sobral-CE (terra de meu pai), escutando `No Dia em que Eu Parti`, do já citado Paulo Sérgio.

Quem sabe canta... :)

No dia em que parti você chorou
Quase morreu
Jurou que seu amor era só meu
Era só meu
Acreditei no que ouvi você falar
Até pensei que seu amor
Não fosse acabar
Agora percebi que seu amor
Para comigo não passou
De uma mera ilusão
Porque estou sentindo que você
Já tem alguém no coração
E só me deu desilusão

Unknown disse...

Pois eu sugiro que você ouça "Esta noite eu queria que o mundo acabasse" também na voz de Núbia Lafayette. Impagável!
Saudade, amigo.
E, by the way, belo texto!
Abração pra você e Lilian.
(* Chico Neto