segunda-feira, 30 de junho de 2008
O lado escuro do Portishead
Não são apenas as palavras em português que irão surpreender o fã do trio inglês Portishead. A sonoridade do grupo que lançou as bases para o chamado trip-hop, também. Em Third, primeiro álbum de inéditas em 11 anos, o Portishead volta mais maduro, ousado e desafiador. É um disco instigante, e bem distante da ingenuidade dos dois primeiros discos.
Surgido em Bristol, Inglaterra, no começo dos anos 1990, o Portishead surpreendeu meio mundo com músicas tristes e sentimentais, apoiadas nos vocais melancólicos de Beth Gibbons e na habilidade dos músicos Adrian Utley e Geoff Barrow, que mesclavam as letras entoadas por Beth com bases que iam do jazz à batida de hip-hop (graças a Deus, eles desprezavam os vocais falados do gênero) em poucos – e lentos – acordes.
Dummy, lançado em 1994, é considerado um dos mais importantes álbuns daquela década. Seguiu-se o homônimo Portishead (1997), um pouco menos elogiado que seu antecessor, e a banda parou. Ainda gravaram um CD/DVD ao vivo (PNYC - live), de 1998, e cada um foi cuidar da sua vida – curioso é que de toda essa discografi a, apenas o DVD chegou a ser lançado no Brasil. Os três CDs permanecem inéditos por aqui.
A volta do Portishead era aguardada com ansiedade pelos antenados fãs, espalhados no mundo inteiro. Esses fãs, no entanto, irão sentir o impacto do novo trabalho, que sai no Brasil, em CD, via Universal. “O álbum é como assistir a Lost, uma viagem que nunca acaba”, resumiu Barrow.
De fato, o Portishead que se ouve em Third é bem mais viajandão. Tem os elementos que fizeram a fama do grupo, como as batidas e os vocais tristes de Gibbons. Mas os arranjos, mais eletrônicos do que nunca, povoam sentimentos mais angustiantes e sombrios. Trata-se de uma viajem ao lado escuro do grupo.
Musicalmente, Third é mais elaborado e musicalmente mais rico que seus antecessores. Uma áurea mística toma conta do trabalho, já na abertura. “Silence” tem, cravados, cinco minutos. Abre com os dizeres: “Esteja alerta para a regra dos três. O que você dá retornará para você. Essa lição você tem que aprender. Você só ganha o que você merece”, assim mesmo, em português. A voz é de um professor de capoeira brasiliense, radicado em Bristol há quatro anos.
“Silence” parece instrumental. Os vocais de Beth entram lá na frente, e saem rapidinho.
As viagens com guitarra e sintetizadores se assemelham a um passeio de montanha-russa assombrada. Provoca uma sensação esquisita e, ao mesmo tempo, fascinante
para quem esperava ouvir algo como “Glory box”.
O disco segue com timbres inventivos e a música eletrônica sempre em primeiro plano, criando desde climas etéreos (“Hunter”) até angustiantes (“Plastic”, “We carry on”), carregados de uma sinfonia apocalíptica. “Deep Water” está estrategicamente no meio do CD. É quase uma vinheta acústica, apenas com vocal e banjo, que acalma o ouvinte para o mergulho seguinte, a Kraftwerkiana “Machine gun”, e o seguinte, a psicodélica “Small”, até terminar com “Threads”, uma das poucas que lembram os velhos tempos do grupo.
O Portishead soube voltar com estilo. Nada de recuar no tempo e trazer de volta velhas fórmulas. Soube ousar e acertou em cheio. Olhando hoje, Third não soa tão inventivo quanto Dummy foi, há quase 15 anos. Mas o Portishead maduro e futurista que poderíamos imaginar está lá, no CD prateado, marcando mais um ponto para uma banda que sabe aonde quer chegar.
Quer ouvir Portishead? Clique aqui
* Texto que eu fiz para a edição de domingo (29.junho.2008) no Jornal da Paraíba. Crédito da foto: Benoit Peverelli/Universal Music
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Um comentário:
Oi André.
Excelente a sua crítica. Quem dera houvesse espaço no jornalismo impresso daqui de Sergipe para esse tipo de assunto.
Sou super mega fã de Portishead, especialmente da voz da Beth Gibbons.
Só uma coisa: "o lado escuro do Portishead" não soa meio redundante não (rs)?!
Abs
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